sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Insatisfação crônica*

Ela vivia na masmorra. Ela não aguentava mais aquela casa, aquela vida, aquela família torta, cheia de problemas inconcebíveis. Ela sofria muito com tudo aquilo, até que um dia apareceu um príncipe e a levou para o seu castelo, e ela pensou que agora sim realmente seria feliz.
Mas seu passado a atormentava em todas as áreas de sua vida. Ela vivia presa, encarcerada naqueles vícios antigos, naquele modelo de relacionamento que ela conhecia. Como saberia ser feliz se tudo que ela sabia era como não ser?
Ela seguiu, teve filhos, e tenta. Mas a verdade é que ela ainda vive na masmorra. Ela não agüenta mais aquela casa, aquela vida, o marido, nem sabe mais se queria ter tido filhos. Aquela era a vida que sonhara? Agora ela já tinha 40 anos, o tempo havia acabado pra ela. A masmorra sempre ali, impedindo o otimismo, a satisfação.
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Ela vivia reclamando dos namorados. Ninguém era suficiente pra ela. Todo mundo fazia tudo errado e ela era a pobre coitada sofredora. Ela cobrava deles tudo que queria, como se só daquele jeito pudesse ser, como se ela pudesse dominar e controlar todos os passos, horários, vontades, tudo!
Se ele dissesse ligo 22h e ligasse 22h15, pronto! Ela não ligava, esperava o coitado ligar pra fazer o maior dramalhão. Isso quando não desligava o telefone e deixava o moço ligando desesperadamente. Castigava sempre os homens desobedientes.
Agora achou uma pessoa que faz tudo certinho, do jeito que ela gosta. Finalmente e surpreendentemente, penso eu, alguém compatível! Agora sim, vai dar tudo certo. Ela ainda pensa no ex que ela vivia falando mal, ainda pensa se não quer voltar pra ele pra ser um pouco mais infeliz. Masoquismo puro!
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A outra namorou anos e anos, disse que era o homem da vida dela, que não casaria com mais ninguém. Terminaram, ela comeu o pão que o diabo amassou, achou que a vida tinha acabado.
E quando ela já estava desistindo do príncipe, eis que ele aparece e a convida pra dançar. E ela se apaixonou de novo e vive a dizer por aí que ele é o amor da vida dela e que ela casaria com ele.
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*O título foi retirado do filme Vicky Cristina Barcelona, proferido em espanhol por Penélope Cruz. E eu concordo. Mulher é bicho insatisfeito mesmo!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A pedra

Li um monte de artigos sobre os motivos que nos levam a ter pedras na vesícula. O médico disse que é um erro genético, culpa de mamãe. O Google me disse que são grânulos de acúmulo de colesterol e gordura que se juntam e solidificam. Enfim, o fato é que nosso corpo pode ser uma mina. Dá pra ter pedras no rim também. Calcificações e fibroses e afins. Coisa louca.

Filosofando a respeito penso na poeira que guardamos. Resquícios de um passado não esquecido. Coisas que não falamos, amarguras por coisas ditas e ouvidas, medos, certezas massacradas pela vida que adora nos dar tapas na cara. Tudo isso gera poeiras no nosso cérebro, no nosso interior, coisinhas que podem se juntar e formar uma pedra! E aí ela se aloja em algum canto e espera que alguém a perceba por lá.

Ela vai incomodando, aquela angústia, aquele não sei o quê que tira seu sono. Depois de um tempo ela dói, e aí vem a reflexão. Por que raios tá doendo? O que dói? E começamos a nos indagar algumas coisas, a nos perdoar por outras. Temos recursos para parar de se culpar. Eu era jovem demais, imatura demais, ingênua demais. Ora, esqueçamos isso tudo, passou. E agora aquela pedra tem que sair, ela já não serve. Então soa o alarme. Inchaço, dores constantes, emergência!

Pronto, que leveza. Passou! A pedra foi embora, mora agora num potinho lá de casa. Agora durmo noites inteiras, não dói mais. Ainda incomoda um pouco, afinal, estou me readaptando. Perdi umas coisas nesse caminho. Poeiras, pedras. Preciso viver sem elas, reaprender a seguir sem aquilo que mesmo incomodando, pertencia a mim! Preciso agora cuidar para que mais poeiras não se amontoem por aí....

A pedra filosofal.... (/Harry Potter)